Para aumentar acesso ao soro antiofídico, pesquisa descreve requisitos para aplicação em aldeias indígenas

Reportagem: Camila Neumam/Instituto Butantan

Pesquisadores do Instituto Butantan e da Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD), ligada à Secretaria de Estado da Saúde do Amazonas, publicaram um estudo na revista científica Toxicon que descreve o que as unidades de saúde indígenas precisariam ter para serem capazes de oferecer o tratamento contra picada de cobra na região amazônica. O objetivo da pesquisa é aumentar o acesso aos antivenenos para indígenas e ribeirinhos que vivem a milhares de quilômetros dos hospitais da região.

A pesquisa faz parte de um projeto piloto das instituições, em parceria com o Ministério da Saúde, que contou inicialmente com o treinamento e capacitação de profissionais de saúde de 16 polos base e Unidades Básicas de Saúde Indígena (UBSIs) do Amazonas e de Roraima. Na primeira fase, os profissionais aprenderam a identificar o tipo de acidente ofídico e a aplicar o soro antiofídico. Nessa segunda etapa, os médicos e enfermeiros treinados responderam a um extenso checklist feitos pelos pesquisadores, questionando a estrutura e condições técnicas para realização do atendimento antes, durante e após a aplicação do soro, e na armazenagem dos imunobiológicos.

“A ideia do estudo é levantar, dentro de um escopo validado por especialistas de hospitais de referência, as condições básicas e o pacote mínimo de requisitos para essas unidades de saúde serem pontos de atendimento de acidentes ofídicos”, explica a diretora técnica de produção de soros do Instituto Butantan, Fan Hui Wen.

 O pesquisador da Fundação de Medicina Tropical Heitor Vieira Dourado da Universidade do Estado do Amazonas, Wuelton Monteiro, em palestra no Butantan

O pesquisador da Fundação de Medicina Tropical Heitor Vieira Dourado da Universidade do Estado do Amazonas, Wuelton Monteiro, em palestra no Butantan

O treinamento foi realizado em oito Unidades Básicas de Saúde Indígena (UBSIs) e oito polos base de saúde indígena localizados nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) do Vale do Rio Javari, de Manaus, no Médio Rio Solimões e Afluentes, Alto Rio Negro, Alto Rio Solimões, Médio Rio Purus, Parintins e Amazonas e Roraima Yanomami.

Mais profissionais e geladeiras

No Brasil, a prestação de cuidados às populações indígenas é organizada em DSEIs, que oferecem atendimento por meio de dois tipos de estabelecimentos de saúde: as UBSIs e os polos de saúde indígena.

As UBSIs são unidades básicas próximas às aldeias indígenas, que contam com equipes de enfermeiros e auxiliares de enfermagem, e um médico em tempo parcial. Já os polos de saúde têm infraestruturas mais avançadas, contam regularmente com pelo menos um médico e um enfermeiro e recebem os casos mais graves.

As unidades capacitadas foram selecionadas por técnicos e pesquisadores da Secretaria de Saúde Indígena e do Grupo Técnico de Animais Peçonhentos do Ministério da Saúde, da FMT-HVD e do Butantan, entre outros. Foram escolhidos dois polos de saúde para cada DSEI da região com alta incidência de acidentes ofídicos e grande cobertura populacional.

“Vimos que o atendimento pode se tornar viável e adequado tendo geladeira e o controle adequado de temperatura, o que já ocorre onde há vacinas, e profissionais que saibam usar e armazenar o soro de forma correta”, afirma Fan, que é médica infectologista.

Fan ressalta que a implementação efetiva da disponibilização do soro nos polos base e nas UBSIs se dará somente após a finalização do projeto-piloto e da discussão com as comunidades indígenas que serão beneficiadas.

“A pesquisa propõe discutir com os gestores de saúde uma política pública de descentralização dos soros, levando em conta se as unidades de saúde têm condições mínimas para oferecer o tratamento. Assim, eles podem avaliar e decidir onde e se acham válido enviar os soros para essa região”, esclarece.

Metodologia

O checklist foi enviado aos profissionais de saúde via REDCap (software de captura de dados eletrônicos). Todos foram revisados pelo pesquisador principal do estudo, o pesquisador Wuelton Monteiro, especialista em pesquisa clínica sobre envenenamento por picadas de cobra.

A lista de verificação contém 80 itens: desde a disponibilidade de técnicos e auxiliares de enfermagem, enfermeiros, médicos, pessoal de laboratório e farmacêuticos, até a de equipamentos, suprimentos e medicamentos utilizados no tratamento de acidentes causados por serpente.

Foi também solicitado aos especialistas que determinassem se cada item era essencial para o atendimento de envenenamento ofídico em três tipos de unidades de saúde, classificadas de acordo com a necessidade de suporte: tipo 1, capazes de atender os casos mais leves; tipo 2, para casos de progressiva gravidade; e o tipo 3, quando há necessidade de transferência do paciente para um hospital.

“A maior dificuldade vista era realmente não ter o soro nas unidades, porque mesmo os profissionais não médicos se sentiam capazes de aplicá-lo após o treinamento, embora precisem saber também sobre os cuidados em caso de reações adversas, mesmo que que hoje sejam na maioria leves”, destaca Fan.

Profissionais do polo base de Belém do Solimões, unidade de saúde local, chegam à aldeia com o soro antiveneno para aplicar na criança acidentada

Profissionais do polo base de Belém do Solimões, unidade de saúde local, chegam à aldeia com o soro antiveneno para aplicar na criança acidentada

Descentralização do tratamento

O projeto iniciado em 2022 contou inicialmente com a doação, pelo Butantan, de 800 frascos de soro antiveneno contra picada de surucucu-pico-de-jaca e de jararaca para treinamento dos profissionais de saúde que atuavam nas unidades básicas de saúde da região amazônica. Tudo com o objetivo central de avaliar se seria possível aumentar o acesso de indígenas, ribeirinhos, e outros moradores das áreas remotas da Amazônia ao tratamento contra picadas de cobra. Este tipo de acidente é cinco vezes mais frequente na região do que no resto do país, segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Porém os hospitais habilitados para aplicação do soro antiofídico ficam geralmente em áreas urbanas, a quilômetros de distância da zona rural e de floresta.

“A descentralização do uso do soro proporcionaria acesso aos cuidados de forma adequada ao contexto e à cultura dessa população historicamente marginalizada e carente da Amazônia brasileira”, descreve a pesquisa.

Ofidismo: barreiras culturais e econômicas

Além da distância, barreiras culturais e linguísticas muitas vezes dissuadem os indígenas de procurar atendimento após acidentes com serpentes. A desistência de buscar tratamento é um dos motivos pelos quais é relativamente comum que ocorram lesões, perda de função dos membros, cicatrizes visíveis ou danos nos tecidos, inclusive em crianças indígenas que não receberam o soro após uma picada de cobra.

“Levar o soro para um local mais próximo evita uma agressão cultural e econômica, quando o indígena precisa sair do seu ambiente para uma cidade onde ele pode permanecer por dias, sem os familiares e sem pessoas pescando, caçando, plantando, deixando a comunidade desprovida de recursos”, afirma Fan.

Uma outra pesquisa do FMT descreveu que a alta recorrência destes problemas têm um vasto impacto econômico, social e psicológico nas comunidades indígenas, especialmente nas crianças e jovens, o que representa uma crise de saúde real e premente.

“Fazer com que o soro seja mais acessível na região amazônica permite que essa população seja beneficiada por um produto que tem sua qualidade e eficácia comprovada”, conclui Fan.

Reportagem: Camila Neumam
Fotos: Comunicação Butantan e acervo Altair Seabra

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Publicado por Thiago Dutra Diniz

31 Anos, Cursei Biomedicina em Salvador. Católico Apostólico Romano. Amante de viagens, gosto de conhecer novos lugares, gosto de cozinhar e tomar cerveja aos fins de semana.

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